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Protease principal (Mpro): alvo molecular contra a COVID-19

  • Foto do escritor: Catarina Fracazzo
    Catarina Fracazzo
  • 1 de mai. de 2021
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de mai. de 2021


Já introduzimos o SARS-CoV-2 aqui: o seu surgimento, explicamos a sua estrutura e como ele causa a doença. Agora fica a dúvida: Nós já sabemos como podemos pará-lo?

Para entendermos como parar o SARS-CoV-2 precisamos entender dois conceitos: Fármaco e Alvo molecular.


De acordo com As Bases Farmacológicas da Terapêutica de Goodman & Gilman (LOUIS SANFORD GOODMAN et al., 2010), Fármaco é uma molécula, a qual pode agir de duas formas dentro do organismo: agonista ou antagonista, sendo o ativador e o inibidor de seu alvo, respectivamente. Esses tipos de fármacos podem agir se encaixando dentro do sítio de ligação, ou se ligando em alguma região do alvo e modificando seu "formato", o que chamamos de mudança de conformação.


Alvo molecular é a estrutura onde o fármaco irá se ligar e agir. No post passado vimos como a proteína Spike do novo Coronavírus interage com os receptores da enzima ECA2 para entrar nas nossas células. Sendo assim, a proteína Spike e a enzima ECA2 são possíveis alvos moleculares (DAI et al., 2020). Alvos moleculares podem ser:


  • Receptores (como o da ECA2)

  • Canais iônicos

  • Enzimas

  • Transportadores (moléculas carregadoras, em sua maioria proteínas).

  • Ácidos nucleicos (RNA ou DNA)


De acordo com Goodman, et al. (2010), cada uma dessas estruturas tem uma função no nosso organismo:

  • Receptores são responsáveis pelo reconhecimento de moléculas, alertando a célula sobre o que está acontecendo do lado de fora.

  • Canais iônicos são os responsáveis por aumentar ou diminuir a carga elétrica da célula. Nos neurônios, por exemplo, são eles que vão permitir liberar os neurotransmissores, responsáveis pelas nossas emoções, pensamentos, movimentos e tudo mais que acontece no nosso corpo.

  • Enzimas são as "costureiras" de moléculas. Elas "cortam" e "costuram" proteínas, carboidratos, DNA, lipídios e fármacos. Enzimas são as que digerem o nosso alimento, tornado ele menor para facilitar a absorção e também adicionam grupos de átomos a intoxicantes para que eles não nos façam mal.

  • Transportadores, como o próprio nome diz, transportam coisas para lá e para cá em nosso corpo. Em especial temos as proteínas que, por exemplo, carregam pelo nosso corpo os hormônios tireoidianos T3 e T4.

  • Ácidos nucleicos são nosso material genético. Eles guardam as "receitas" para nossas proteínas e são os responsáveis por definir as funções de cada célula e nossas características genéticas e físicas.

Fármacos e alvos moleculares vão agir de forma específica num modelo de chave e fechadura (GOODMAN et al., 2010), como podemos ver na Figura 1 a seguir:


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Figura 1: Modelo chave e fechadura. Fonte: FARINDE; ABIMBOLA, 2019. Disponível em: MSDmanuals






Agora que entendemos o principal sobre alvos moleculares e fármacos vamos ver quais os alvos que podemos usar no combate ao SARS-CoV-2:


No post anterior vimos as principais proteínas estruturais: M, N, E e Spike, onde todas são consideradas como possíveis alvos moleculares. Mas hoje vamos apresentar uma proteína não estrutural, uma enzima chamada 3CLpro ou Mpro (Main protease, Figura 2). Essa enzima é classificada como protease (prot: proteína, ease: quebra), que tem um papel importante na transcrição e replicação viral (DAI et al., 2020).

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Figura 2: Mpro. Cisteína Protease do SARS-CoV-2. Representação em fitas com ligante N3 no bolsão catalítico. Fonte: RCSB PROTEIN DATA BANK, 2020. Cód 6LU7.






A Mpro é uma enzima com massa molecular de 33,8 KDa, que se apresenta como um homodímero com duas subunidades dispostas perpendicularmente uma à outra, denominadas protômeros A e B, apresentando assim um "formato de coração" (Figura 3). Cada protômero possui 306 resíduos e é formado por 3 domínios: Domínio I (resíduos 8-101), II (102-303) e III (201-303):

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Figura 3: Protômeros (conjunto de subunidades proteicas), domínios da Mpro e ligante N3 no bolsão catalítico. Os domínios I e II possuem uma estrutura antiparalela de barril-β enquanto o domínio III contém cinco α-hélices dispostas em um aglomerado globular amplamente antiparalelo. Fonte: REN, et al., 2020; JIN et al., 2020





Seu sítio ativo, ou bolsão catalítico, se encontra em uma fenda entre os domínios I e II, com uma díade catalítica constituída por uma cisteína (Cys145) e uma histidina (His41). Os sítios ativos de Mpro são altamente conservados nos coronavírus e consistem em quatro subsítios: S1', S1, S2 e S4 (Figuras 4 e 5) (SWIDEREK; MOLINER, 2020) (RCSB PROTEIN DATA BANK, 2020). Os subsítio da Mpro são formados pelos seguintes resíduos de aminoácidos: S1 (Phe140, Asn142, Ser144, Cys145, His163, His172, Glu166, Leu141, Gly143, His164 e Met165), S1' (His41, Val 42, Asn119, Thr25, Cys145, Gly143 e Thr26), S2 (Tyr54, Asp187, Met49, His-41 e Arg188) e S4 (Met165, Leu167, Pro168, Ala191, Gln192, Glu-166, Arg188 e Thr190) (STODDARD et al., 2020)

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Figura 4: Representação da superfície do bolsão catalítico da Mpro onde podemos observar os subsítios catalíticos. Fonte: DAI et al., 2020






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Figura 5: Carga e hidrofobicidade da superfície do bolsão catalítico. (A) Em vermelho as áreas carregadas negativamente, em azul as áreas carregadas positivamente e em branco áreas de carga neutra. (B) Em azul as áreas hidrofílicas, em marrom áreas hidrofóbicas. Fonte: STODDARD et al., 2020


A função da Mpro é realizar a quebra de poliproteínas precursoras não-funcionais a pp1a e pp1ab (pp1a+1b) nas sequências Leu–Gln–↓–(Ala/Ser). A quebra da ppl1a (486 kDa) acontece em 7 pontos e a ppl1ab (790 kDa) em 4 pontos (CHANG, 2009). A partir dessas clivagens, são formadas as proteínas virais funcionais tal como proteínas essências do processo de replicação e infecção viral: RNA-polimerase dependente de RNA, exoribonuclease, helicase, endoribonuclease e 2’-O-tribose-metiltransferase, sendo então de extrema importância para fisiopatologia da doença (ALMEIDA, et al., 2020).

Em princípio, o mecanismo catalítico da Mpro de SARS-CoV-2, por se tratar de uma cisteíno-protease envolve duas etapas básicas. A primeira etapa desse processo envolve a ativação do sítio catalítico onde um próton será transferido da Cys145 para a His41. Ao mesmo tempo, em que ocorre um ataque nucleofílico ao carbono carbonil da ligação peptídica pelo enxofre da Cys145, o que irá resultar em um intermediário tio-hemicetal (THA). Em seguida haverá a quebra da ligação peptídica que será auxiliada pela transferência de um próton da Hys41 protonada para o nitrogênio do ligante, formando um complexo intermediário acil-enzima. Após o complexo acil-enzima ser liberado do sítio ativo (primeiro produto), uma água ataca o carbono carbonil da glicina 5 (Gln5) do peptídeo, enquanto um próton é transferido para a His45. A ligação covalente entre a Cys145 e o peptídeo presente no intermediário THA protonado é quebrada para liberar o segundo produto da reação de lise (SWIDEREK; MOLINER, 2020). Abaixo (figura 6) é possível visualizar o mecanismo da Mpro:


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Figura 6: Mecanismo da Mpro. Fonte: SWIDEREK; MOLINER, 2020


Devida a importância funcional no ciclo de replicação do SARS-CoV-2 e a ausência de relatos de moléculas homólogas em humanos, a Mpro é considerada um dos principais alvos no desenvolvimento de fármacos contra o SARS-CoV-2 e a COVID-19.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, Juliana O. de; OLIVEIRA, Victoria Regina T. de; AVELAR, João Lucas dos S.; MOITA, Bruna Simões; LIMA, Lídia Moreira. COVID-19: physiopathology and targets for therapeutic intervention. Revista Virtual de Química, [S.L.], v. 12, n. 6, p. 1464-1497, 2020. Sociedade Brasileira de Quimica (SBQ). http://dx.doi.org/10.21577/1984-6835.20200115.

  • CHANG, G.-G. Quaternary Structure of the SARS Coronavirus Main Protease. Molecular Biology of the SARS-Coronavirus, p. 115–128, 24 out. 2009.

  • DAI, W. et al. Structure-based design of antiviral drug candidates targeting the SARS-CoV-2 main protease. Science, v. 368, n. 6497, p. 1331–1335, 22 abr. 2020.

  • FARINDE.ABIMBOLA. Seletividade do local. Manual MSD Versão Saúde para a Família. Disponível em: <https://www.msdmanuals.com/pt/casa/medicamentos/farmacodin%C3%A2mica/seletividade-do-local>. Acesso em: 20 Apr. 2021.

  • LOUIS SANFORD GOODMAN et al. As bases farmacologicas da terapeutica. Porto Alegre (Rs): Amgh, 2010.

  • REN, Zhilin; YAN, Liming; ZHANG, Ning; GUO, Yu; YANG, Cheng; LOU, Zhiyong; RAO, Zihe. The newly emerged SARS-Like coronavirus HCoV-EMC also has an “Achilles’ heel”: current effective inhibitor targeting a 3c-like protease. Protein & Cell, [S.L.], v. 4, n. 4, p. 248-250, abr. 2013. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s13238-013-2841-3.

  • RCSB PROTEIN DATA BANK. RCSB PDB - 6LU7: The crystal structure of COVID-19 main protease in complex with an inhibitor N3. Disponível em: <https://www.rcsb.org/structure/6LU7>. Acesso em: 21 abr. 2021.‌

  • STODDARD, S. V. et al. Optimization Rules for SARS-CoV-2 Mpro Antivirals: Ensemble Docking and Exploration of the Coronavirus Protease Active Site. Viruses, v. 12, n. 9, p. 942, 26 ago. 2020.

  • SWIDEREK, Katarzyna; MOLINER, Vicent. Revealing the molecular mechanisms of proteolysis of SARS-CoV-2 Mproby QM/MM computational methods. Chemical Science, [S.L.], v. 11, n. 39, p. 10626-10630, 23 jun. 2020. Royal Society of Chemistry (RSC). http://dx.doi.org/10.1039/d0sc02823a.


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